“Concerto para 3 irmãs”, é baseado na peça “Três Irmãs” de Anton Tchecov.
Olga, Masha e Irina, são filhas de um antigo general do czar, que morreu e as deixou numa existência rotineira e monótona, numa pequena cidade provinciana. Desde a infância, todas elas vivem sonhando com o regresso a Moscovo, a grande cidade sempre presente nas suas recordações.
Vivem dominadas pelo desejo de evasão. Moscovo representa, para elas, o passado saudoso e é também a promessa, ou antes, a esperança de um futuro melhor. Mas, na realidade, no descontentamento das três irmãs há alguma coisa de maior e mais profundo. O descontentamento provocado por uma vida inútil, destituída de nobres ideais, feita de pequenas hipocrisias e da mediocridade grotesca do ambiente provinciano, de desilusões e renúncias, mas até mesmo da própria condição humana.
Há uma frase da peça e na adaptação, que traduz isso perfeitamente: “Viver – e não saber por que voam as cegonhas, por que nascem os filhos, por que há estrelas no céu…”.
“Concerto para 3 irmãs”/”Três Irmãs”, é um texto tecido de realidades quotidianas, mas também de sonhos, os sonhos de uma pequena burguesia atormentada, escrava de uma infinidade de preconceitos e lugares-comuns, ou ideias feitas.
Com esta nova abordagem a Anton Tchekov, concluímos o primeiro Roteiro da Intemporalidade iniciado em 2005 e que, para além do autor russo, incluíu Strindberg e Ibsen.
A certeza que temos é que amadurecemos com este percurso; crescemos como estrutura de reflexão/criação artística e na relação com o meio cultural e social onde nos inserimos, tanto a nível local como nacional. Este Roteiro, foi como um novo Ponto de Ordem na história (de 17 anos) da Companhia de Teatro de Sintra, um arrumar e fundamentar de ideias e um substanciar de práticas que melhor nos preparam para novos desafios, novos Roteiros, novas lutas pela afirmação deste Projecto.
Este “Concerto” é uma feliz adaptação de Manuel Sanches da obra-prima de Tchekov, “As Três Irmãs”.
Na adaptação, o centro dramatúrgico continua, como no original, a falar de nós e do sonho de viver uma utopia, sonho eternamente construído e que sistematicamente desaba. Como se diz na peça, “Daqui a duzentos ou trezentos anos, a vida na terra será inimaginavelmente bela, admirável. O homem precisa de uma vida assim, e se ainda a não tem, precisa de a pressentir, esperar, sonhar, preparar-se para ela”. Entretanto, passaram mais de cem anos depois do texto de Anton Tchekov ter sido escrito e mais tempo passará enquanto o cículo se vai redesenhar:” partiremos para sempre, vão esquecer-nos, esquecerão os nossos rostos, as nossas vozes, nem se lembrarão de quantas éramos, mas os nossos sofrimentos vão transformar-se na alegria dos que viverem depois de nós, a felicidade e a paz reinarão na terra, há-de haver palavras afectuosas, há-de haver bênçãos para os que vivem agora. Ó minhas queridas irmãs, a nossa vida ainda não terminou. Viveremos! “
O mundo não mudou ou fomos nós que continuamos presos por potentes teias inibidoras do Real, no confronto com o pesadelo da História?
“Concerto”, porque quisemos acima de tudo encontrar na elocução das actrizes, a musicalidade adequada às palavras de Tchekov, que a serena intimidade do palco da Casa de Teatro proporciona e ainda a harmonia e a ironia rendilhada do texto requerem. Mas, também encontrar e estruturar a melodia deste “Concerto”, na melodia do texto; procurar os ambientes do espectáculo nos ambientes do mesmo. Não inventar nada, saber ouvir e perceber (somos tão pouco pacientes a ouvir e tão ansiosos para descobrir soluções…).
Saber ouvir, perceber e construir com a humildade de quem deseja, intensa mas tranquilamente, um objecto teatral individualizado. Não deixar que cada emoção, cada movimento, cada frase fique pela superfície, evitando a criação pelo sofrimento, pelo fatalismo, pelo dramatismo, sendo, como escreveu Tchekov, “leves”, “fluidos”, “também mais alegres, como na vida – vida transposta, mas vida, sempre”. Aprender a saber para contar, não para descrever, porque, citando Giorgio Strehler que por sua vez cita Lukács, “aquele que sabe conta, aquele que não sabe ou então sabe por aquisição exterior, descreve. E Tchekov conta sempre”.
João de Mello Alvim
Texto, Música e Encenação: Gisela Cañamero; Interpretação: Isabel Moreira e Paulo Duarte; Piano: Ângelo Martino; Violoncelo: Jorge Teixeira; Voz off: Gonçalo Ramos; Direcção Musical: Isabel Moreira; Arranjos musicais: Isabel Moreira e Filipe Vieira; Direcção Técnica: André Rabaça e José Manhita; Sonoplastia: José Manhita; Vídeoplastia e Luminotecnia: Rafael Del Rio; Produção Executiva: Nuno Correia Pinto e Raul Bule
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