Um autêntico desassossego impediu-nos de avançar na montagem deste espectáculo: na altura em que trabalhávamos na pré-produção, já com os elenco contratado e outros compromissos assumidos, o senhor ministro deu o dito por não dito – ou seja, revogou, por alegada irregularidade, um Despacho que ele próprio cerca de dois meses antes tinha assinado -, e lançou a confusão nesta e noutras Companhias.
Reposto o bom senso, embora com a arrogância dos deslumbrados pelo Poder, retomamos o projecto de dramatização de um dos livros que, numa tertúlia que organizamos em 1999 – e que contou com a presença, entre outros de Manuel Frias Martins, Eduardo Prado Coelho, Antonino Solmer, Miguel Real e Jorge Listopad -, foi considerado como um dos livros, escritos em português, que “passavam” para o novo século, dando assim continuidade a um dos vectores do Projecto Artístico desta Companhia, a adaptação ao palco, de literatura não dramática escrita por autores portugueses e que reflictam, de alguma maneira, o nosso ser português, a nossa identidade.
Se difícil é sempre falar sobre o espectáculo que se cria, mais difícil é fazê-lo na altura em que me pedem este texto: no início dos ensaios. Agora o que poderei dizer não passará de intenções que ao longo da montagem transmitirei aos actores, que têm a ver essencialmente com o valor da palavra e a sua sonoridade, e com a atmosfera de desmaterialização e fragmentação do espaço que passará pelo despojamento, o brilho e a luz, mas também pelo seu (dos actores) corpo.
Além disto, que é muito, e ao contrário de uma das falas do personagem central, pedir-lhes-ei que sejam capazes de transmitir sentimentos que subsistam, de emoções que passem do palco para a plateia e que entrem para a substância da alma de quem os vê/ouve, e consigam o milagre do desassossego, neste tempo amorfo e globalizado, pelo beato e falso diálogo do “quero dizer muito claramente, olhos nos olhos”…
João de Mello Alvim
Autor: Bernardo Soares/Fernando Pessoa; Adaptação/Dramaturgia: Graça Afonso Cruz; Encenação: João de Melo Alvim; Assistência de Encenação: Maria João Fontaínhas; Interpretação: André Gomes, Nuno Correia Pinto, Rogério Jacques, Tiago Matias (estagiário); Espaço Cénico / Adereços: João de Melo Alvim; Figurinos: Companhia de Teatro de Sintra; Desenho de Luz: João de Melo Alvim / Nuno Correia Pinto; Direcção Gráfica: Maria de Lourdes Mendonça; Imagem Gráfica / Fotografia: Pedro Aguilar; Sonoplastia / Operador de Luz e Som: Carlos Arroja / André Rabaça; Contra-Regra e Apoio Geral: Tiago Matias / Rute Pereira; Montagem: Carlos Arroja / André Rabaça / Tiago Matias; Direcção de Produção: Maria João Fontaínhas; Produção Executiva / Secretariado: Penélope Melo
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