O casal Micumbeu Fuado e Rabia anunciam a descoberta de enormes quantidades de gás e petróleo em suas propriedades em África. Com a vinda da Molina Forjaz, neta de antigos colonos latifundiários em Moçambique, espera-se a materialização deste plano de riqueza. Mas a cultura africana e europeia distanciam-se no negócio. Tal deve-se, segundo a Rabia, aos espíritos dos antepassados africanos que baralham a visão dos sócios. Nem o know-how da engenheira Molina Forjaz é aproveitado no projecto. O diagnóstico da curandeira Rabia diz que tudo falha porque a Molina Forjaz traz uma maldição chamada austeridade. Mas também tudo pode estar a falhar porque, segundo os autóctones, os antepassados do continente negro decidiram proteger seus filhos da maldição trazida pelos recursos minerais.
A criação teatral intercultural talvez seja, no mundo frenético em que vivemos, mundo que não se sabe se evolui se involui, um refúgio mas também um ponto de partida para o cruzamento de experiências culturais com idiossincrasias diferenciadas, e por consequência, um laboratório em que a importância que lhe é dada socialmente, é inversamente proporcional à sua irradiação e influência nessa mesma sociedade.
Nesta primeira criação, em co – produção, concretizada por dois grupos de países e continentes diferentes, ligados por um passado de raízes e cicatrizes, e um presente assente em alguma disfuncionalidade, e na mesma língua oficial, sempre estivemos conscientes para contrariar a tentação de derivas pós-colonialismos ou culpabilidades dos descendentes dos colonizadores. Em relação àquelas, partimos em pé de igualdade e sem medo dos entrechoques de culturas e discursos, pelo contrário, convocando-os como catalisadores criativos; em relação às culpabilidades,tivemos presente a afirmação de Jean-Louis Amselle (“Branchements”, Paris, Flammarion, 2001, p.206):”
Descolonizar o pensamento, não significa dar razão ao colonizado da actualidade contra o colonizador de ontem. Descolonizar, é instaurar um diálogo, ou mais exactamente, conceber o pensamento como intrinsecamente dialógico, ou seja, interconectado”.
Na abordagem estética, procuramos valorizar todos os sistemas significantes que o texto, escrito por um africano, suscitou na noção estrutural de um encenador europeu, sendo que o corpo transmissor era (é) o de actores igualmente africanos. Procuramos seguir uma linha produtora de sentido para o espectador, não a reduzindo aos significados, mas estendendo-a às sensações, num diálogo permanente do dito e do visto, com o pressentido. Procurando uma unidade onde o silêncio tem tanta força como as palavras.
Por fim, na montagem do espectáculo, procuramos distanciar-nos do logocentrismo do texto, até pelas evocações mágicas do mesmo, ou, se se quiser, da sua metalinguagem. No processo criativo e estético, o texto com todo o seu potencial semântico, foi o ponto de partida para experimentações, através de colagens visuais e sonoridades de significante rítmico, centradas na fisicalidade do actor.
João de Mello Alvim
Texto: Sérgio Mabombo (Lareira Artes); Encenação: João de Mello Alvim (Chão de Oliva); Adaptação e Dramaturgia: Manuel Sanches e João de Mello Alvim (Chão de Oliva); Interpretação: Diaz Santana e Sílvia Mendes (Lareira Artes); Cenografia: João de Mello Alvim (Chão de Oliva); Construção dos animais: Leonel (artesão moçambicano); Figurinos: Chão de Oliva / Lareira Artes; Pintura adereços: Zeferino (artista plástico, moçambicano); Design Gráfico: André Rabaça (Chão de Oliva); Direcção de Produção: João de Mello Alvim (Chão de Oliva); Diaz Santana (Lareira Artes); Assistente Produção: Sérgio Mabombo (Lareira Artes); Direcção Técnica: André Rabaça (Chão de Oliva); Secretária de Direcção e Produção: Cristina Costa (Chão de Oliva)
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