Escrita por Jean Genet em 1947, a peça, As Criadas, apresenta a história de duas irmãs, Clara e Solange, que trabalham como criadas numa casa. Conscientes da sua insignificância, levando uma vida de submissão, confinadas ao apartamento de uma Senhora rica, bela e bondosa que as mantém isoladas do mundo e mergulhadas na mais profunda solidão, elas sonham libertar-se da sua condição de servidão e para tal decidem matar a Patroa. Na ausência da Senhora, todas as noites se apoderam do quarto da própria, bem como das roupas e jóias, e aí ensaiam a sua morte numa representação na qual uma faz o papel de Senhora e a outra de criada. Neste jogo de faz de conta, no qual elas elegem a Senhora como objecto do seu ódio que também é amor, da sua admiração que também é inveja, descarregam todo o seu rancor e raiva mas nunca conseguem concluir a cena. Tal como na vida real. No entanto, perante a iminência dos seus planos serem descobertos, acabarão por dar um desfecho inesperado às suas vidas.
Je suis Les Bonnes
Nous sommes Les Bonnes
Os textos intemporais vivem de diferentes formas em cada época, e cada época, cada projeto, apropria-se desses textos da forma que lhe é mais conveniente perante as circunstâncias, os contextos políticos, económicos e culturais em que estão inseridos.
Ou seja, apropriamo-nos deste texto com a mesma urgência com que um condenado lança o seu último apelo.
Porque é que, súbita e inesperadamente, fazermos esta peça se tornou uma urgência?Porque As Criadas nos revelam a sua incapacidade, a sua impossibilidade de por termo ao jugo da Senhora. E em última análise, a impossibilidade de assumirem o seu destino de Seres Livres. Porque a sua incapacidade é a nossa. À sua volta erguem-se paredes intransponíveis e sentem-se sufocar. Fracassam nos seus intentos e remetem-nos para o nosso próprio fracasso. Ensaiam a revolta, mas são só palavras. Falam, falam, falam até ficarem vazias. E apercebem-se da sua imensa solidão. E sentem ódio, raiva e rancor até mais não. Até mais Nada.
Porque a Senhora, símbolo de uma classe social, de um sistema, de uma civilização; a Senhora, símbolo de uma ordem, modelo de comportamentos, dos mais altos padrões de uma Moral; a Senhora, mesmo grotesca, decadente, falsa, egoísta e sádica, exerce ainda o seu poder, e de forma cada vez sofisticada, sob a aparência da generosidade ou da solidariedade, impossibilitando-nos, quero dizer, impossibilitando-as de enxergar as alternativas.
Esta peça apresenta-se-nos como uma alegoria. Estamos no reino da metáfora e do símbolo. Foi tudo isto que tentámos transpor para o palco. Nesta casa. Neste país. Sob o signo da turbulência. Do desespero. Da inquietação. Através da combinação de um mínimo de elementos que aludissem a uma estética ligada ao excesso e à proliferação. Símbolos de uma época marcada por contrastes violentos, oscilando entre o avanço técnico-científico e a barbárie.
Aproximamo-nos contudo, de um teatro poético, tentando tirar o máximo partido do valor lírico da palavra e da força vital do jogo cénico. Por agora, é no palco que buscamos a salvação. No palco, esse “…lugar vizinho da morte, onde todas as liberdades são possíveis.”, como escrevia, numa carta Genet a Roger Blin. Amanhã não sabemos.
Paula Pedregal
Autor: Jean Genet; Encenação: Paula Pedregal; Dramaturgia: Paula Pedregal e Sofia Borges; Interpretação: Alexandra Diogo, Nuno Machado e Sofia Borges; Interpretação Musical: Nuno Machado; Marioneta Miguel Gorjão Clara; Apoio à Manipulação da Marioneta: Nuno Correia Pinto; Desenho de Luz e Sonoplastia: André Rabaça; Costureira: Adélia Canelas; Fotografia e Imagem Gráfica: André Rabaça; Direcção Técnica: André Rabaça; Técnico Auxiliar: Luís Quaresma; Direcção de Produção: Nuno Correia Pinto; Assistente de Produção: Cláudia Alves; Secretária de Direcção e Produção: Cristina Costa; Direcção Artística Companhia de Teatro de Sintra: João de Mello Alvim
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