A acção decorre em tempo real, numa noite de sexta-feira em casa de Alice e Isabel, mãe e filha. A mãe, há muito divorciada, resolve receber para jantar o namorado de há 25 anos, seu primeiro grande amor, mentor nas lutas estudantis, quem no fundo a moldou em termos intelectuais.
A filha, totalmente desengajada em termos políticos, procura freneticamente uma saída no estrangeiro, de preferência sem ter de pensar muito.
O jantar decorre num ambiente entre tenso e cómico, com a mãe a ajustar-se à nova imagem do velho amor e abandonando gradualmente todas as ideias de retomar o romance; a filha sentindo-se gradualmente mais atraída por aquele homem que pode quiçá salvá-la de ir limpar retretes para a Suíça; e Bruno jogando ambiguamente com ambas.
Através das características das personagens e dos conflitos gerados, “sem rede” é uma reflexão sobre o Portugal actual, alimentado por um passado de sonhos frustrados e com as perspectivas de futuro ocultadas por um denso nevoeiro.
1 – A seguir às transformações impostas pela SEC/DGArtes, traduzidas por cortes financeiros cegos e aumento histérico das exigências burocráticas às estruturas apoiadas, um novo ciclo da relação com os poderes políticos iniciar-se-á com a tomada de posse dos novos responsáveis autárquicos saídos das eleições de 29 de Setembro.
Destes, o que esperamos, ao contrário do tratamento impessoalizado da SEC/DGArtes, é uma relação de proximidade, assente no diálogo, na articulação da oferta, na ponderação do trabalho feito e dos projectos em curso, e no esbatimento das “duas divisões da cultura” em Sintra: a de iniciativa municipal e a produzida pelas estruturas particulares, responsáveis pelo maior caudal de oferta.
2 – O convite feito a Ana Saragoça para escrever um texto sobre a actualidade que vivemos em Portugal, integra-se num dos eixos programáticos da Companhia de Teatro de Sintra de abordagem de autores portugueses, de vários períodos históricos, seja através de peças de teatro, seja através da adaptação de textos não dramáticos. A escolha nunca é inocente pois, para além da qualidade que reconhecemos à escrita, privilegiamos autores injustamente desconhecidos, ou pouco conhecidos ou em princípio de reconhecimento, como foram os casos de Pedro Paixão, Maria Gabriela Llansol, Alexandre O´Neill, Nuno Bragança, Paulo Condesso e, agora, Ana Saragoça.
3 – Há tratados e tratados sobre encenação, onde, não raro, “as soluções” estão lá. Pessoalmente, cada vez mais (me) questiono sobre o significado do substantivo, ou sobre o que há de substantivo no acto. Aparentemente, o que se pede ao encenador é simples: colocar nas três dimensões do palco as palavras escritas. Depois seguem em procissão de atropelos, outros conceitos e práticas, mais ou menos serenas, mais ou menos radicais, mais ou menos egocêntricas, mais ou menos partilhadas. O que mais me irrita nesta marcha, são as soluções tipo “invenção da roda”, na generalidade fruto da iliteracia teatral. O que mais me agrada é começar de novo, sabendo que o novo que se possa criar, estará na abordagem, na entrega, na potencialização dos saberes reunidos na constituição da equipa e recusa da injunção de fórmulas. Estará no fruto por nós plantado, tratado e pronto a colher – mesmo que tenha bicho -, e não do fruto normalizado e brilhante, que sai das arcas congeladoras pronto a consumir.
4 – Na primeira leitura deste “Sem rede”, ficou-me a impressão de um texto muito bem escrito, gramaticalmente intocável – o que já não é pouco nos dias que correm -, mas que deslizava pela superfície dos conflitos, que precisava de mais nervo. Nada que não se pudesse abordar, discutir e alterar entre gente inteligente, que foi o que aconteceu no diálogo autora / e o dramaturgista habitual da Companhia, o Manuel Sanches. Para meu espanto, a ignorância, para além de atrevida é sempre muito expectante, as alterações finais foram mínimas, pois o texto “tinha tudo lá”. Soubéssemos nós, no palco, interpelar o texto através da acção; fazer dialogar o dito e o pressentido; encontrar a estrutura significante rítmica; dar sentido interno, mas procurar e provocar sensações nos espectadores, para ele, livremente, reconstruir a encenação. Para o fenómeno elementar da arte, o da comunicação, se cumpra.
João de Mello Alvim
Autor: Ana Saragoça; Encenação: João De Mello Alvim; Dramaturgia: Manuel Sanches; Interpretação: Alexandra Diogo, Nuno Machado e Susana C. Gaspar; Assistente do Encenador: João Mais; Cenografia: António Casimiro; Desenho de Luz: André Rabaça; Design Gráfico: André Rabaça; Direcção de Produção: Nuno Correia Pinto; Assistente Produção: Nuno Machado; Secretária de Direcção e Produção: Cristina Costa; Direcção Técnica: André Rabaça; Técnico Auxiliar: Pedro Tomé; Assistência Geral: Andreia Domingues (estagiária)
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